Eduardo Fernandez Silva
Brasília, 20/04/2020
Aparentemente, as propostas de adiar as eleições municipais de 2020 em razão da pandemia do coronavírus morreram, pois os presidentes da Câmara e do Senado se manifestaram contrários à ideia. Mas, como em política por vezes acontece a ressurreição, não só de ideias mas também de personagens, devemos analisar o tema.
Não se sabe até quando continuará válida a recomendação de se evitar aglomerações para reduzir o contágio; pode, ou não, ainda estar vigente em outubro. Assim, adiar o pleito para evitar concentrações de pessoas é o motivo principal, claramente oportunista, dos defensores dessa ideia. Outra justificação seria utilizar os recursos do Fundo Eleitoral, cerca de dois bilhões de reais, para debelar a doença, ao invés de bancar campanhas eleitorais.
Travestida de boas intenções, a proposta é completamente contrária à democracia. As justificações apresentadas apelam para sentimentos generalizados entre a população: ojeriza aos políticos e descrença na capacidade deles de reduzir os problemas sociais. Nenhuma das duas razões para o adiamento, porém, resiste a uma análise mais cuidadosa.
Comecemos pela questão dos recursos. Claro, dois bilhões é muito dinheiro, mas o governo brasileiro já destinou, ou prometeu destinar, cerca de um trilhão, seja diretamente para o tratamento da saúde, seja para tentar minimizar a recessão da economia. Assim, os dois bilhões não são nem mesmo uma gota no oceano. O argumento, portanto, tem mais a ver com a exploração daqueles sentimentos populares citados do que com o efetivo enfrentamento da pandemia. Além disso, há outras fontes mais justas e menos danosas à democracia para obter recursos: por exemplo, reverter a hoje levíssima carga tributária incidente sobre os mais ricos da população brasileira.
E a questão das aglomerações? Há três momentos principais de aglomeração numa campanha política: as convenções partidárias, os comícios – estes em franca decadência – e a eleição propriamente dita. Há também churrascos e outras confraternizações, além de debates. Afora os churrascos, todos esses podem ser feitos pela internet!
No Brasil, as eleições se iniciam com as articulações dos chefes partidários, muitas feitas pelo telefone. Formalmente, o primeiro passo são as convenções partidárias. Esses eventos aglomeram pessoas, embora quase sempre tudo já esteja previamente decidido. Mas, em pleno século XXI, parti-dos que não tenham capacidade de organizar uma convenção sem aglomerar pessoas num mesmo ambiente certamente não terão capacidade de contribuir para organizar o Brasil. Não é?
O momento mais importante é o dia da eleição e, de fato, sempre vemos filas e aglomerações variadas próximo às seções eleitorais. Evitar o risco decorrente é necessário. Para tanto, basta alterar a forma de organizar o pleito, não precisa adiá-lo. Essa sugestão é, além de grande falta de imaginação, uma clara minimização da importância do voto.
Por exemplo, ao invés de realizar a eleição num único dia – como manda a Constituição Federal – esta poderia ser alterada para permitir a votação durante, digamos, uma semana. Também adiar a eleição exige mudar a CF, mas a mudança aqui proposta facilita o exercício do direito pelo cidadão, ao invés de retirá-lo, ainda que temporariamente.
Em muitos países – EUA e Itália entre eles –, a votação pode ser feita ao longo de certo período, e o cidadão também pode enviar seu voto pelo correio. Há, ainda,um outro país, a Estônia, onde a votação é feita pela inter-net, já há dezesseis anos. Por que não analisamos esses países e ajustamos suas práticas às peculiaridades brasileiras, com o duplo propósito de evitar aglomerações e facilitar a manifestação popular? Se eles podem votar pela internet nós também podemos; se não neste ano, em breve! Torçamos!
Finalmente: na medida em que eleição significa ouvir a população, para construirmos um país mais bem organizado, mais justo, mais feliz e menos desigual precisamos de mais, e não de menos eleições.