Eduardo Fernandez Silva
Brasília, 23 de abril de 2020
O coronavírus domina as conversas, mas não pode ser o único assunto. O momento atual no Brasil é propício para se discutir o tema do título, pois há personagens proeminentes na política nacional cujos valores e atitudes permitem duvidar da sua sanidade mental.
Esclareço, desde logo, que não sou psicólogo nem psiquiatra. As considerações a seguir se baseiam, essencialmente, em artigo de Flinders e outros, publicado em revista do parlamento britânico, cujo título, em tradução livre, é “Governar sob Pressão? A saúde mental dos políticos” . Os autores analisam os fatores de estresse da “profissão”, e os riscos daí decorrentes à saúde mental dos políticos.
Todas as profissões são estressantes, em diferentes graus, em distintos momentos. Um cirurgião sofre estresse, o artista o enfrenta antes de subir ao palco e, no momento atual, TODOS os profissionais da saúde estão sob intenso estresse. A eles nossa homenagem!
É amplamente sabido e analisado pela psicologia ocupacional que situações de estresse são potenciais causadoras de distúrbios e eventuais colapsos mentais: depressão, irritabilidade, ansiedade, abuso de drogas, legalizadas ou não, abuso de autoridade, exaustão, conflitos cognitivos, super ou mesmo sub valorização do ego, decisões irrefletidas e equivocadas, etc.
A “profissão” de político, altamente estressante, é essencial para o funcionamento da democracia; esta não existe sem vereadores, deputados regionais ou nacionais, entre outros. O trabalho deles e delas define a qualidade das políticas públicas e, portanto, a qualidade de vida da população. Sabemos que pessoas sob intenso estresse tendem a tomar más decisões.
Os autores citados agrupam os fatores de estresse dos políticos em três níveis: macro (as expectativas, a desconfiança e o jogo político), meso(cultura organizacional, lideranças e ciclos eleitorais) e micro (estilo de vida, habilidades e capacidade de controle da situação).
No primeiro, há o forte conflito entre “ser político” e o sentimento geral de desconfiança acerca dos políticos. Como esse conflito afeta a personalidade, o comportamentoe as decisões daqueles indivíduos? Estudos demonstram que saber que a maioria das pessoas com quem você interage desconfia das suas ações e intenções não contribui para uma boa saúde mental. Outro fator: a necessidade de “vender” esperança e capacidade de realizar, importante para se eleger – Yes, wecan! – contrasta com a realidade pós eleitoral de recursos escassos e incapacidade de controlar os eventos. Há um fosso entre as promessas eleitorais e a performance no cargo. Políticos que dizem a verdade – No, wecan’t! – raramente vencem eleições!!! Outro desafio que os políticos enfrentam é balancear lealdades e demandas conflitantes. A barganha e os acordos, inseparáveis do jogo político da democracia representativa, acabam por levar à “dissonância cognitiva”, ou à defesa de posições inconsistentes. Quanto estresse!!!
No nível meso, há sólida evidência de que são positivos, em termos de saúde mental (e de produtividade), ambientes de trabalho cujos participantes podem conversar livremente sobre suas inseguranças, dúvidas e fraquezas, que existem em todas as atividades. Não é o caso do ambiente político! Neste, além disso, as pessoas estão sujeitas à coerção, intimidação e comportamento agressivo, sexista ou similar, todos estes fatores geradores de muito estresse e danosos em termos de saúde mental.
Enfrentar as eleições, então, é outro agravante: serei eleito ou não? Fulano/a vai me trair ou não? Como vou pagar os compromissos assumidos? Nesse tenso ambiente, candidatos se viciam, casamentos acabam, dívidas impagáveis são contraídas e muitos, de acordo com pesquisa no Reino Unido, “choram copiosamente às noites após ler mensagens agressivas em suas mídias sociais”.
Ainda nesse mesmo nível, Flinders e outros apontam o “paradoxo da liderança”, e o grande estresse dele decorrente. É que o “líder” procura ser, ao mesmo tempo, “maior” que as pessoas comuns, para justificar seu papel de liderança, e igual àquelas mesmas pessoas, para justificar representá-las. Haja estresse!!! Associado a esse paradoxo aparece o senso de arrogância, e a incapacidade de ouvir críticas, de que sofrem não poucos nessa profissão.
Já no plano micro ou individual, há o excesso de compromissos e o consequente descaso com a vida familiar; hoje, mais que no passado, há ainda a pressão decorrente da atividade constante nas redes sociais... Um parlamentar uma vez me disse, brincando: “foi Deus quem inventou a internet, mas o whatsapp quem fez foi o diabo!!!”
Deixando de comentar outras fontes de estresse, por economia de espaço, lembremos, como dizem os autores do texto comentado, “a saúde da democracia pode, em certa medida, depender da saúde mental daqueles que elegemos para tomar decisões em nossos nomes”.
E, não custa repetir, pessoas sob tensão e com problemas mentais tendem a tomar más decisões....
Essas considerações sobre a saúde mental dos políticos transformam o que era suspeita em quase certeza: nossos dirigentestendem a carecer de sanidade mental (aliás, essa insanidade é fator que permite, nos casos mais graves, a interdição das pessoas para qualquer ato civil!!!).
Nesse momento de muitas crises simultâneas – sanitária, econômica, ambiental, moral, entre outras –,como poderemos superá-las se não alterarmos a maneira como os políticos trabalham e decidem? Já dissemos que o trabalho deles é essencial à democracia. Então, como reduzir os riscos de suas decisões sob estresse?
A resposta não é fácil nem clara, mas uma coisa é certa: dirigentes com distúrbios mentais certamente não nos levarão a bom porto.
Para reduzir o risco de naufrágio o melhor remédio é ouvir mais as pessoas, ampliar e, cada vez mais, inclusive com a ajuda das modernas tecnologias de informação, democratizar a democracia.