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Os efeitos das recessões econômicas são conhecidos, especialmente pelos que têm negócios afetados pelos baixos níveis de venda, pelos desempregados e pelas diversas esferas de governo em face da perda de receitas tributárias.
A recessão atual tem peculiaridades diferente das anteriores. Sua causa é uma pandemia de elevado contágio e letalidade, a exigir vultosos recursos públicos do governo central e dos entes subnacionais.
Segundo o Ministério da Economia, a pandemia já provocou impacto negativo de R$417,7 bilhões nas contas públicas (5,8% do PIB). O rombo poderá ser superior a R$675 bilhões este ano – quase 10% do PIB. Estimativas não oficiais indicam, contudo, que até o final do ano poderão ascender a R$900 bilhões – cerca de 14% do PIB e 25% do orçamento fiscal de 2020.
A magnitude desses números inviabiliza politicamente o remanejamento e o corte de gastos do orçamento de 2020. Para contornar a restrição, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 106/2020 (orçamento de guerra), que institui o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública nacional decorrente da pandemia.
Doravante, há uma situação orçamentária inusitada.Execução simultânea de dois orçamentos. O orçamento de guerra para combater a epidemia e suas consequências e o orçamento fiscal de 2020, cuja execução deve obedecer às regras do teto orçamentário de que trata a Emenda Constitucional 95/2016.
O problema crucial é que não existem recursos disponíveis para financiar os dispêndios do orçamento de guerra. O que fazer? Há duas opções: emissão de dívida pública (venda de títulos da dívida pública) ou emissão de moeda fiduciária (sem lastro).
A emissão de dívida pública afigura-se descartável (venda de títulos públicos), por causar considerável dreno de recursos do setor privado para o público. Tal medida, descapitalizaria ainda mais as empresas e impactaria negativamente a oferta global, além de aumentar em níveis substanciais a dívida pública. Para piorar, o Tesouro com a taxa de juro real (Selic) variando entre 1% e zero por cento poderá até mesmo enfrentar dificuldades para rolagem da dívida pública.
Por exclusão, restaria a emissão de moeda. Entretanto, essa possibilidade encontra forte reação por parte das autoridades econômicas e dos economistas ortodoxos, pelos supostos reflexos negativos na inflação e na dívida pública.
Em termos de inflação, ficou empiricamente evidenciado, na crise financeira de 2008, que a emissão de moeda fiduciária (expansão da base monetária), pelos Estados Unidos e demais países desenvolvidos, em elevados percentuais, não apresentou impactos inflacionários.
De fato, o Banco Central americano (FED) elevou a base monetária de 3% para 30% do produto nacional bruto (PNB), ou seja, em mil por cento e o nível geral de preços não se alterou. Ao contrário, manteve tendência baixista. Agora, na pandemia, o FED já expandiu a base monetária em 45% do PNB.
Diante dos resultados positivos do afrouxamento monetário, conhecido como quantitativeeasing-QE,a experiência está sendo repetida por aqueles países para financiar as despesas da pandemia.
Não se trata de milagre nem de medida que possa ser executada permanentemente. Só é válida em casos de recessão para incentivar a demanda global e ativar a economia. O limite dessa expansão, principal restrição dos contrários à medida,ocorre quando as emissões monetárias causam grande variações no nível geral de preços sem alterações da renda real, mas apenas da renda nominal (inflação).
Quanto aos impactos na dívida pública, as preocupações são também descabidas. Sabe-se que a emissão de moeda fiduciária é item do passivo do BACEN, a chamada base monetária. Não figura, pois, como dívida pública, conquanto seja contabilizada no passivo consolidado do setor público.
Ademais, o dinheiro não paga juros nem é exigível. Com sua emissão, o Tesouro e o Bacen (este no mercado secundário) podem comprar títulos públicos com a consequente redução da dívida pública, adquirir ativos financeiros privados de liquidez comprovada, investir em obras de infraestrutura e incentivar a modernização industrial. É um gatilho rápido para irrigar a economia, ativando a demanda e a oferta globais.
Evidente que não basta abrir a torneira e todos os problemas financeiros estarão resolvidos. Ao contrário. Deve-se priorizar a qualidade do investimento e dos gastos públicos, os quais devem ser alocados, criteriosamente, em usos que possam oferecer taxas compensadoras de retorno econômico e social. Tal condição é indispensável para assegurar o crescimento da economia a uma taxa maior do que a da dívida pública e do passivo do setor público consolidado.Fora disso, a emissão de moeda só inflará as finanças do Estado e criará passíveis difíceis de absorção nos orçamentos futuros.
Outro fator a considerar,refere-se às desvalorizações cambiais. Mas são controláveis, porquanto os investimentos produtivos em infraestrutura e modernização industrial ensejarão ambiente favorável à atração de investimentos externos, principalmente para obras de infraestrutura. Ademais, as variações das taxas de câmbio podem ser corrigidas pelo Bacen, mediante utilização das reservas internacionais e das operações de swaps.
Enfim, o grande problema consiste em mobilizar recursos na escala imposta pela pandemia.Apesar das vantagens anticíclicas que oferece a emissão de moeda,o governo não cogita adotá-la.