Eduardo Fernandez Silva
Brasília, 06/2020
Quase todos os comentários sobre a atual situação do Brasil, antes e mesmo após o corona, apresentam o seguinte discurso: “é preciso fazer tal coisa, reformas essa e aquela, para o Brasil voltar a crescer”. Voltar a crescer é objetivo quase único, e então segue-se dizendo que é preciso crescer para gerar emprego, para ficarmos mais ricos, etc., etc. Assim, crescer veio a se tornar sinônimo de prosperar, de construir uma vida digna e respeitável. Isso é justificável?
Imagine-se crescendo, sem parar, dentro de um espaço finito: um quarto, uma sala ou mesmo uma esfera. Você acha que crescimento é prova de vitalidade. Quando você era pequenino, quase um micróbio, o espaço disponível no útero parecia infinito; você cresceu e foi expulso de lá.
Por séculos a quantidade de humanos era tão pequena que o espaço do planeta parecia infinito. Hoje, somos quase oito bilhões, extraindo, transformando, consumindo e descartando quantidades crescentes de produtos, já muito além da biocapacidade do planeta. Já se disse que uma pessoa de renda média baixa, hoje, dispõe de mais objetos, consome e polui os recursos naturais mais que muitos grandes reis e rainhas de outrora!
De irrelevante, quando saiu da África, nossa espécie tornou-se uma nova força da natureza. Crescemos tanto que já estamos apertados, com dificuldade até de respirar: no mundo, são sete milhões de mortos anualmente em razão, apenas, da poluição atmosférica. Isso é a soma das populações de BH e de Porto Alegre, e mais que os mortos no holocausto!
Mesmo assim, não se acredita na nova realidade, e busca-se continuar a crescer. Muitos esperam um Salvador para evitar o desfecho inevitável de crescer (quase) sempre dentro de um espaço finito. Esse Salvador, hoje, chama-se tecnologia. Fica para depois o que é urgente: mudar o rumo, mirar não o crescimento, mas sim a prosperidade.
É certo que muitos tomam prosperidade como sinônimo de riqueza, mas há também a interpretação segundo a qual ela traduz satisfação com a vida que se vive, não apenas com a conta bancária. E essa satisfação com a vida que se vive depende, sim, da conta bancária, mas depende também de muitas outras variáveis, que a ideia de sempre crescer não capta; pelo contrário, descarta!
Nas últimas décadas, mesmo nas sociedades mais ricas, o grau de satisfação com a vida tem caído, para ampla parcela da população. Há quem diga, inclusive, que essa crescente insatisfação, esse sentimento de carência, seja do smartphone mais recente ou de significado para a vida é um dos fatores responsáveis pela desesperança que leva a eleger personagens tipo os “valentões da escola” para resolver problemas que apenas com diálogo se pode encontrar soluções. E dialogar é atividade que eles não costumam praticar.
Para prosperar, em seu sentido mais amplo, precisamos substituir a ideia de sempre crescer pela ideia de melhorar a qualidade de vida, medida por dados que retratem a realidade da educação, da saúde, da segurança e de várias outras dimensões de uma vida próspera.